sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Poesia bonita

Então. Eu gosto de poesia boa. Poesia boa é poesia que não me constrange, porque a possibilidade de uma poesia me constranger é alta. Aí que a Adélia Prado tem umas poesias muito delicadas. E outras que eu queria ter escrito, porque dizem o que penso das coisas. Como do Amor.

A formosura do teu rosto obriga-me
e não ouso em tua presença
ou à tua simples lembrança
recusar-me ao esmero de permanecer contemplável.
Quisera olhar fixamente a tua cara,
como fazem comigo soldados e choferes de ônibus.
Mas não tenho coragem,
olho só a tua mão,
a unha polida olho, olho, olho e é quanto basta
pra alimentar fogo, mel e veneno deste amor incansável
que tudo rói e banha e torna apetecível:
caieiras, desembocaduras de esgotos,
idéias de morte, gripe, vestido, sapatos,
aquela tarde de sábado,
esta que morre agora antes da mesa pacífica:
ovos cozidos, tomates,
fome dos ângulos duros de tua cara de estátua.
Recolho tamancos, flauta, molho de flores, resinas,
rispidez de teu lábio que suporto com dor
e mais retábulos, faca, tudo serve e é estilete,
lâmina encostada em teu peito. Fala.
Fala sem orgulho ou medo
que à força de pensar em mim sonhou comigo
e passou um dia esquisito, o coração em sobressaltos à campainha da porta,
disposto à benignidade, ao ridículo, à doçura. Fala.
Nem é preciso que amor seja a palavra.
'Penso em você' - me diz e estancarei os féretros,
tão grande é minha paixão.

2 comentários:

marta disse...

aaahhhh... a poesia!!

Linda, Juli! Que bom que você postou.
=)

Anônimo disse...

"Fala sem orgulho ou medo
que à força de pensar em mim sonhou comigo
e passou um dia esquisito, o coração em sobressaltos à campainha da porta,
disposto à benignidade, ao ridículo, à doçura. Fala.
Nem é preciso que amor seja a palavra."

Coisa mais linda do mundo. Quem nunca sentiu isso?... Obrigada, juli.