segunda-feira, 15 de outubro de 2007

"Sou burra mas tô na moda"

Foi a última frase que ouvi de Giselle, a aluna mais popular do colégio. O ano era 1996, estávamos então na 8ª série.

Aos 18 anos, ainda sem conseguir terminar o ensino fundamental, desistiu e foi buscar emprego. Giselle tornou-se promoter de um salão de beleza. Ganhava pouco, mas o suficiente para comprar seus cremes. A pintura no cabelo saía de graça, o que considerava a grande vantagem do novo trabalho. Loira e quase sem celulites, logo foi descoberta por um olheiro da Nielly, que a convidou para posar em um catálogo de tintas. Semanas depois, fotografava pela primeira vez como modelo. As fotos foram feitas em Muriqui, local que ela sonhava conhecer desde a infância. O trabalho lhe rendeu quase o dobro do que ganhava por mês no salão. Assim, resolveu apostar na nova profissão.

Durante cinco anos, a vida teimou em sorrir para Giselle. Como modelo, conseguiu poucos trabalhos: uma figuração em A Praça é Nossa, um folder de banco divulgando o novo programa de empréstimos para as classes D e E e algumas bulas de cosmésticos foram seus momentos de maior sucesso. Com pouco dinheiro e as dívidas se acumulando, Giselle finalmente se deu conta de que havia seguido o caminho errado da vida. Pensou no passado e na falta que os estudos hoje lhe faziam. Com uma boa formação, dizia, eu poderia ter um bom emprego, juntar algum dinheiro e, quem sabe, abrir um negócio próprio no futuro. Giselle pensava e sonhava, enquanto seus olhos amendoados brilhavam só com a possibilidade de, um dia, ter sua própria agência. Não se sabia se de modelos, viagens ou grupos musicais, mas isso ainda não importava. O que importava era a decisão tomada: se matricularia em um supletivo e, em no máximo um ano e meio, estaria pronta para ingressar na faculdade de Administração de Empresas.

Felicíssima com a decisão tomada, tratou de se preparar para virar inteligente. Os cabelos voltaram a ser castanhos e crespos, as roupas assumiram tons pastéis, a revista Caras foi trocada pela Veja ("indispensável", repetia) e até um óculos de grau foi providenciado. Tudo exatamente como diziam os filmes, sem esquecer os cuidados com a alimentação: passou a consumir peixes, pois descobrira que seu grande ídolo, Chico Anísio ("simplesmente um gênio!"), se destacou da maioria dos nordestinos por este hábito cultivado desde a infância.

Com sua obstinação peculiar, mergulhou nos livros para recuperar o tempo perdido. Acordava todos os dias às 6 horas da manhã e só ia dormir de madrugada, depois do Programa do Jô. Uma maratona que conseguia seguir à risca por ter uma meta: o sucesso. Não perdia um só capítulo de O Aprendiz e chegava a tremer quando via na TV o sorriso de Roberto Justus, para ela dono dos dentes mais bonitos do Brasil. Justus, por sinal, era seu maior objeto de desejo. Se Diogo Mainardi concorria com ele em termos de inteligência, não se podia dizer o mesmo em relação ao charme. Para Giselle, Roberto Justus (ou apenas Roberto, como gostava de chamá-lo) era um sonho de homem, uma maravilha de ser humano, um exemplo de cidadão e, acima de tudo, um alvo a ser fisgado.

O tempo passou rápido e Giselle, em agosto de 2003, pôs as mãos no comemorado diploma de ensino médio. No sábado seguinte, fez um vestibular e, uma semana depois, via o resultado: 7º lugar, entre 21 candidatos ao curso de Administração na maior universidade privada de Belford Roxo! Um resultado que a fez chorar de emoção, como nunca, pois sabia que ali começaria a se concretizar seu sonho. Sim, tinha sido aceita em um grupo seleto que reunia a nata da sociedade belforroxense!

Na aula inaugural, o reitor da universidade, senhor de reputação inabalável mesmo após a injusta cassação do mandato de vereador ("pura inveja"), tratou de inflar ainda mais sua auto-estima quando disse à turma que ingressava: "Parabéns! Vocês foram aceitos em uma das melhores universidades do país! É um orgulho, para mim, dar as boas-vindas àqueles que formarão a elite intelectual da sociedade brasileira!". Olhos marejados, Giselle aplaudiu de pé ao fim do discurso de 4 minutos. Naquele momento, parecia que sua vida toda passava rapidamente em sua cabeça, como em um filme: a infância conturbada, a adolescência precoce, as paixões fugazes, o abandono da escola, a aposta na carreira de modelo... Tudo tão veloz, veloz, veloz...

Foi emoção demais para Giselle. Não se sabe ainda o que houve ao certo, mas naquele momento seu coração parou de bater. Aos 23 anos, morreu Giselle, "uma heroína", disse sua melhor amiga, "exemplo maior de perseverança", disse sua tia, "uma mente privilegiada", disse o pastor da igreja onde foi velada.

Ganhou nota de falecimento em O Dia.

3 comentários:

todoseles disse...

Geisy, que troço triste, meu deus, que peninha! Me dá muita claustrofobia lembrar ou encontrar no Orkut as diversas pessoas assim que eu conheci (e conheço) na vida. Cruzes... me fez lembrar de muita coisa ruim que eu sentia na adolescência e das quais fugi atabalhoadamente, heheh

todoseles disse...

Fugi e ainda fujo...

Frau Martins - Berlin disse...

hahaahahahha... Chico Anisio se destacou dos demais nordestinos pq comia peixe....hahahhahaah...eu acho que nunca mais vou parar de rir na minha vida....poxa.