sábado, 15 de dezembro de 2007

Gente feia

Coluna de João Ximenes Braga (adoro!) em O Globo de hoje.

Festinha despretensiosa, tipo leve o que beber e pegue o de comer. Quem ali já não se conhecia era amigo do amigo, praticamente uma reunião de máfia, uma sessão de voto secreto no Senado, e tudo corria na santa paz da bebedeira coletiva até a chegada de um grupo de quatro rapazes esquisitíssimos.

- Que gente feia é essa? – sussurraram os outros assim que eles entraram.

E por que esquisitos? Porque não eram. Na verdade, eram os tipos mais comuns que se pode imaginar na Zona Sul do Rio. Playboys meio embrucutuzados, de camiseta regata de tecido sintético, do tipo que só deveria servir para malhar. Tinham uma certa pinta de pitboy que deixou muita gente desconfortável, embora eles não tenham esboçado qualquer reação explícita ao clima discretamente pansexual que os cercava. Seja como for, destoavam dos outros convivas, fina flor da boemia intelectual carioca. Traziam um quê de Nuth a um ambiente de freqüentadores de rodas de samba e/ou Dama de Ferro/Fosfobox. A dona da casa logo começou a reclamar:

- Eu que nunca fui na Nuth, nem na Baronetti, de repente me vejo disputando fila com quatro pitboys pra entrar no meu próprio banheiro!

Mas tudo correu sem maiores incidentes, só a frase lá de cima se repetia sem cessar, à meia voz, ao longo da noite:

-Que gente feia é essa?

Seguida de comentários tais como:

- Esses tipos já roubaram o Baixo Leblon da gente, depois o Baixo Gávea, depois o Coqueirão, agora nem em casa de amigos eles deixam a gente em paz?
- To dizendo que tem que cercar a Barra da Tijuca, to dizendo...
- O Leblon também, o Leblon também!
- Cês tão nostálgicos, os playbas já tomaram conta da cidade inteira, pra escapar deles só mudando pra Santa Teresa.
- Ou pro subúrbio...
- Que subúrbio? Pros lados de lá ta pior. A única diferença é que playboy de subúrbio faz a sobrancelha, usa wax no cabelo e calça jeans cheia de penduricalhos, de resto é tudo igual.
- Metrossexuais?
- Não, cafonas mesmo.
- Peraí, esse não é o figurino do Cine Ideal?
- Pois é, em Madureira não há gaydar que funcione!
- Mas afinal, quem é essa gente feia que chegou agora?

Ninguém sabia, nem ia lá perguntar. De interação real, só um dos playbas que se encantou por uma nativa da festa – uma advogada de cabelo black power que trabalha com direitos humanos em comunidades carentes. Sem saber como chegar nela, ele pediu auxílio à dona da casa.

- Pó, aí, to amarradão na tua amiga, que que eu tenho que fazer pra dar um beijo nela?
- Fala de milícia – respondeu a outra, com um fio de veneno escorrendo pelo canto da boca.

Tempinho depois as duas se reencontram.

- Eu não entendi nada. O playba sentou do meu lado e disse: “Pó, aí, ta sabendo que eu sou totalmente contra qualquer forma de exploração das classes menos favorecidas? Tipo assim, milícia, acho milícia nada a ver”.

Como já disse, fora esses pequenos momentos de interação, os tais pitboys não agiram como tais e saíram da festa sem causar imbróglio algum, só os sussurros de “que gente feia é essa?”.

Dias depois, encontro algumas pessoas da festa e uma menina me confessa que era a culpada pela presença dos “pitboys”.

- Um deles é meu amigão, muito gente boa, apesar de ser professor de academia na Barra. O problema é que ele só anda com esses caras esquisitos. Mas sabe o que me deixou uma fera? Encontrei com ele no dia seguinte e comentei que ele tinha ficado pouco tempo na festa. Ele respondeu: “Pó, aí, é que lá só tinha gente feia”.
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Corolário: contabilizando a opinião de cada submáfia carioca, o Rio é a cidade com mais gente feia do mundo.

ps: pois é, "a diferença" gera preconceitos e incômodos em todos os lugares.

12 comentários:

ju coniglio disse...

bacana esse texto. o final é bobo, mas é sempre tão difícil terminar textos, que nem redação da escola. aliás minha mãe, coitada, foi ver o novo do lynch sem ter idéia de onde estava se metendo. diz ela que saiu achando que ele não sabia como terminar o filme. aliás, ela disse que só não saiu no meio pq o celular tinha caído debaixo da cadeira da frente e ela não conseguiu achar no escuro. daí ela ficou lá, nas três horas de filme, as pessoas com cabeça de coelho, e ela lá, sem entender chongas...

marta disse...

"que nem redação da escola"

huhauhauhuahuahua!!! perfeito! eu nunca sabia como terminar, ficava de saco cheio e colocava o de sempre. rssss...

Já tá na hora do David Lynch mudar um pouco seus filmes. Sei lá, dar uma atualizada. O problema é que ele fez sucesso com o Cidade dos Sonhos, um filme que ele fez pra televisão, a emissora não aceitou e mandou ele parar no meio. Ele parou no meio e esse é o filme.

Eu li que os personagens passam horas falando uma língua estranha e não tem tradução. É isso mesmo? Bom, a galera cult adora e faz cara de quem entendeu tudo.

=)

ju coniglio disse...

pois é, num sei. isso da língua estranha ela não comentou. mas acho que teria, né? pq ela disse que nem dormir ela conseguia... eu até queria ver esse filme, desanimei um pouco quando ela disse que eram 3 horas. film era pra ter 1h30 e só. mais que suficiente. se vc tem estória pra mais que isso, faz uma continuação, né. por isso, aliás, que a sexta feira 13 tem tanta continuação, é muita estória pra contar. :P

Geisy disse...

Po, maneirão esse texto! :D

O mais engraçado é que, sempre que eu entro nos comentários, o assunto já mudou... Que blog dinâmico!

Marina disse...

É, Geisy....eu acho que é porque as mulheres predominam nesse blog! Se bem que eu sou uma blogueira quietinha....hehehe

marta disse...

hahahahaha!!

Verdade! Quando vemos já estamos falando animadamente de outros assuntos. E acontece de uma forma tão espontânea!

Mas voltando (rss..), eu não vejo problema em ver um filme de 3 horas de duração, desde que tenha assunto e mantenha o pique. Acho que ver 3 horas de David Lynch deve nos deixar meio zuretas! rss..

Clarissa disse...

Moral da história: nóis é tudo feio e bunito ao mesmo tempo :/

Alias, que gente feia é essa aí em cima falando de lynch...??? hehehe

Beijinhos, meninas inteligentes.

marta disse...

ihhh... vc é fã do lynch, clarinha??

é dessas que saem do cinema fazendo cara de inteligente que entendeu tudo? rsss...

(tô implicando, tá??)

Clarissa disse...

Antes fosse, dona Marta. Eu acho vcs tudo feio pq não sei quem é o lynch :( E eu sou dessas que aluga os amigos inteligentes pra saber o que o louco do diretor quis dizer com seu filme sem sentido, rs.

Mas falando sério, eu sou fã de vcs todas, mocinhas inteligentes, e me sinto bem aqui no meio de vcs, he. Beijocas!

marta disse...

Tá bom, eu te explico o Cidade dos Sonhos. Entendi tudo!!

huauhauhahuuha!!

Bom, o Jean Baudrillard entendeu esse filme e disse que tem mais a ver com seu pensamento filosófico.

Então tá!

ps: tb tô feliz aqui!! =)

Guadalupe B disse...

Poxa, eu gosto de Lynch... Não entendo nada e nem tento. Gosto das imagens que ele usa. Acho os filmes dele (os mais recentes) lindos de se ver. Agora, Twin Peaks arrasa!!! Tem história, é simples e intrigante. Vcs não acham?
Ah, e desculpa o sumico! É que eu cheguei no Brasil e tô aki morta de alegria, rodando de lá pra cá o tempo td..hehe. Ja já eu volto ao chão.
Beijos!
Ah, sobre o texto, gostei mt da moral..hehe. Apesar de não entender muito a contextualizacão. Esse monte de lugar que pra mim nao diz nada...
P.S.: Eu tbm adoro esse blog..

marta disse...

Pois é, é um texto com moral. E eu achei legal a forma como ele escreveu a história. Mas sou suspeita pra falar, eu gosto do João Ximenes Braga.

Quanto ao Lynch, acho muito filosófico e não me interesso por ele como cinema. Viajei, né? Não sei explicar. rss... Não vi Twin Peaks. Quando passou na TV (aos domingos depois do fantástico) era uma febre. Eu não achava graça. Mas admito que´é coisa minha com o Lynch. rs... :P

É, vc sumiu, mas dá pra entender!! Aproveite! =)