sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

Diálogo com 'Cenas'



Então, comprei um livro recentemente que fala de intertextualidade, leitura, citação e afins.
Comecei a ler e a viajar sobre o assunto e, como gosto de fazer analogias, estava relacionando isso a imagens, pinturas e fotografias. O post “Cenas” foi um prato cheio pros meus devaneios e resolvi postar em vez de comentar nele. Bom, antes de embarcar na viagem, coloco aí um trecho do livro...

Quando cito, extraio, mutilo, desenraízo. Há um objeto primeiro, colocado diante de mim, um texto que li, que leio; e o curso de minha leitura se interrompe numa frase. Volto atrás: re-leio. A frase relida torna-se fórmula autônoma dentro do texto. A releitura a desliga do que lhe é anterior e do que lhe é posterior. O fragmento escolhido converte-se ele mesmo em texto, não mais fragmento de texto, membro de frase ou de discurso, mas trecho escolhido, membro amputado; ainda não enxerto, mas já órgão recortado e posto em reserva. Porque minha leitura não é monótona nem unificadora; ela faz explodir o texto, desmonta-o, dispersa-o. É por isso que, mesmo quando não sublinho alguma frase nem a transcrevo na minha caderneta, minha leitura já procede de um ato de citação que desagrega o texto e o destaca do contexto.

(...)

O grifo na leitura é a prova preliminar da citação (e da escrita), uma localização visual, material, que institui o direito do meu olhar sobre o texto. (...) o grifo coloca marcas, localizadores sobrecarregados de sentido, ou de valor; ele superpõe ao texto uma nova pontuação, feita ao ritmo da minha leitura: são os pontilhados sobre os quais mais tarde farei recortes. Toda citação é primeiro uma leitura.

(...)


COMPAGNON, Antoine. O trabalho da citação. Tradução de Cleonice P.B. Mourão. Belo Horizonte: UFMG, 1996.

Fiquei pensando no mundo, no nosso olhar e nas formas que encontramos para representá-lo – o olhar. Penso que capturar uma imagem é tb fazê-la explodir para fora de seu contexto. Retratá-la numa pintura é desmontá-la toda, inevitavelmente, porque nosso olhar não é capaz de ver o todo. Comparo o olhar nosso ao grifo. Nós focamos as partes do que vemos e as absorvemos aos pedaços, cada um a seu modo. Uma pintura do Picasso me faz pensar especialmente nisso. (tá ai em cima, é que eu não sei colocar no lugar certo)

Quanto à fotografia, se por um lado ‘perdemos’ o barulho de um rio fotografado, se transformamos em imagem estática algo cheio de vida e movimento, também quem fotografa acrescenta vida à imagem, já que a impregna de valores do seu recorte. O grifo coloca marcas, localizadores sobrecarregados de sentido, ou de valor; ele superpõe ao texto uma nova pontuação, feita ao ritmo da minha leitura. Recortar, citar – seja falando, escrevendo, fotografando, pintanto etc – é também um processo de construção porque minha leitura não é monótona nem unificadora, logo o recorte tampouco será. Assim, na escolha da cena, do ângulo, da luminosidade, da distância – na fotografia – como na escolha do material, das cores, das formas, no jeito da pincelada – na pintura – transparece o processo de construção do olhar de cada um de seus autores.

Por isso, vejo as ‘Cenas’ da Marta como citações que ela faz do mundo que vê. Portanto, Julinha, acho que não importa o barulho do rio, já que as fotos dizem muito mais do que quando vc olha pra ela e não tem a vaga idéia do que ela está pensando, hehe. Sem, é claro, cair naquela história de “fulano quis dizer isso quando retratou tal coisa dessa forma”, he. Essa foi minha viagem! Beijos pra vcs!

9 comentários:

Rafiux disse...

Cré, meu amor! Arrasou! Que post fodão! Adorei! Muito, muito, muito! Obrigada! :*

Juliana disse...

caraca, levei uma bronca no fim do post. :-O
clé, na hora que a marta estava fotografando o rio, conversávamos justamente sobre tudo o que vc falou, não discordo, não.
o fato é que o rio não é mais o rio que a gente viu passar, inclusive porque o rio nunca é O rio, já que ele só existe em movimento, o que é absolutamente aprisionador por um lado, e incrivelmente libertador por outro, especialmente para quem cria.:)
bisous, clarinha.

Clarissa disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Clarissa disse...

ÔOOooo, Juli, não foi bronca, não... Eu tb concordo com vc. Só te citei, pq essa coisa do rio me fez pensar e pensar. Só quis mostrar outro ponto de vista e peguei seu comentário como ponto de (partida, não) chegada, rs. Não fica triste, vai.:) E eu entendi o que vc quis dizer, viu? Beijocas!

Amor, Ó minha cara de bocó feliz pra vc... rs.

Juliana disse...

clé, tô triste não =D

marta disse...

Eita. Nem sei bem o que falar. Quero que esse texto seja a introdução do meu livro.

Vc falou uma coisa bem legal sobre "fazer citações" de imagens. Por exemplo, lembra lá na Primavera dos Livros que eu parei por causa da cena da chuva caindo no holofote? Isso pra mim é uma citação mesmo, eu retiro, sublinho, marco, faço com que a parte se sobressaia.

É, Juli! Eu me lembro de vc falando sobre isso lá. É uma questão interessante que faz pensar.

=)

Clarissa disse...

Vai escrever livro, Marta?!! Sobre?

marta disse...

Quero, um dia, fazer um livro com meus trabalhos e penso em misturar imagens com palavras.
=)

Seu texto ficaria ótimo como introdução!! =D

Clarissa disse...

Será um privilégio e um imenso prazer :) Espero dar conta do recado, rs.