quarta-feira, 22 de abril de 2009

A cabeça rasa

Estava lendo a introdução do Formação da Literatura Brasileira, do Antonio Candido, e pensando nas duas páginas iniciais que tava lendo na manhã de segunda (Sobre o nomadismo: Vagabundagens pós-modernas, de Michel Maffesoli). A ligação se deu quando o Antonio Candido disse que passou 6 anos escrevendo o livro e eu fiquei pensando como isso vai contra todo o universo cultural médio que nos bombardeia e mantém em cativeiro: jornais, tv, revistas, livros, internet etc.

Fiquei feliz quando li o Maffesoli dizer sobre o "fast food teórico". Ok, já cansei de ouvir sobre isso, mas veio agora em um bom momento, em que eu tenho pensado muito sobre a vida fast food que colegas e família te cobram viver. Você tem que sair, encontrar amigos, visitar a família, ver todos os filmes, exposições, conhecer as bandas novas, saber tudo sobre o mercado em que atua, falar todas as línguas possíveis, ganhar mais dinheiro sempre, fazer sexo, beber álcool, estar em ambiente com barulhos... Você não pode parar e se concentrar calado, sozinho e em silêncio porque essa não é a imagem positiva, essa é a imagem do sofrimento, da solidão, do infeliz.

É um inferno. O positivo é estar desfocado, com muita gente falando ao mesmo tempo, fazendo muitas coisas ao mesmo tempo e, se possível, entorpecido de alguma maneira. Sua opinião tem que ser dada imediatamente, tem que ser curta e seguir a receita do que parece inteligente: ser irônico, parecer desinteressado, usar humor pra explorar possíveis absurdos de modo que tudo pareça absurdo e seja uma prova de que "nada faz sentido e por isso o lance é aproveitar a vida".

Se antes era só uma questão cultural fast food, agora é uma forma de levar a vida, o "eu não me estresso". As amizades fast food, os namoros fast food, as inimizades fast food, as relações cotidianas familiares ou não fast food... Isso me leva ao suicídio, acho, em até 3 meses. Isso é o que eu chamo de solidão, uma falta grave de concretude, de realidade interna, ou, mais bonito, de narrativa interna. Sempre que me perco em ilusões e gritarias e dentes expostos em sinal de felicidade, eu volto pro meu livro interno, que só devo acabar de ler e escrever quando eu morrer, ou nem aí. Daí eu volto a ler onde nasci, como foi a infância, o que eu queria naquela época, do que eu sempre gostei e tento novamente me ligar ao que eu sou pra me afastar dessa loucura triste.

E nada disso me salva de ser rasa. Só me salva do suicídio. Mas a dificuldade para ler mais de duas páginas ou só a introdução permanece. É um caralho de um esforço contínuo tentar pensar sempre na mesma coisa e fazer esse pensamento progredir, se aprofundar. Poucas vezes sinto minha mente realmente se aprofundando, tentando se ultrapassar. Acredito que preciso de um mestrado (engenharia de produção ou teoria da literatura, tanto faz) para me forçar, o que é uma vergonha para a humanidade, que já teve por exemplo a Civilização Grega e agora tem eu tentando manter um pensamento.

11 comentários:

ju coniglio disse...

1a possibilidade -mas cinda, na época da civilização grega era muito menos gente no mundo e por isso cada um tinha que ser muito mais tudo pra manter o nível. agora tem bastante gente e dilui a responsabilidade de pensar entre todos, daí cada um pode pensar bem pouco.
2a possiblidade - mas cinda, na época da civilização grega tinha os cultos filósofos e etceterófos e tinha a ralé-povão, muito mais ralé-povão que a ralé-povão que existe hoje. na época da civilização gerga, a gente não seria platão, sófocles, hércules nem mesóclises, a gente seria maria creuzacles.

isso fui eu sendo irônica e parecendo desinteressada.

mas no sério, o mais triste mesmo é a solidão acompanhada. e no sério ainda, eu não me estresso com esse tipo de cobrança social (auto-)imposta. digo auto porque a minha vida é minha e a sua é sua e cada um só pode decidir como viver a sua (dele) vida. isso é até democrático, cada um tem direito a uma vida pra usar como bem entender.

sei lá, acho que não me expliquei bem, mas agora tenho que ir pra icaraí.

ju coniglio disse...

voltei, reli o que escrevi e vi que me expressei mal pra caralho. o que eu quis dizer é que entendo e semi-concordo contigo, mas acho que tem que aprender a não se deixar afetar por isso tudo. acho que é isso, sei lá. tô cansada já. :( quero dormir.

Marta disse...

li esse post no 'onde andará dulce veiga?' antes de ler aqui...rs...

Marta disse...

Agora o comentário sobre o texto:

Putz, isso me fez pensar pra caramba. Tiro 2 coisas dele que não necessariamente se relacionam. Uma está no terceiro parágrafo e mexeu comigo... não sei pq... ainda não digeri.

A outra é sobre isso de fast food. Tá tudo muito rápido mesmo. E se não somos rápidas tb, ficamos à margem.

Maria de Fatima disse...

Cindy, tava eu aqui pensando muito nisso tudo. Aí, vim ler pra me distrair e tropecei no mesmo assunto. Amiga, tô compartilhando muito o que você expôs aqui.

Beijo grande!

ju coniglio disse...

navra, ficar à margem não é ruim. na margem o barco anda mais devagar e a gente pode apreciar a paisagem.
eu sempre tive muita pressa de tudo, ainda tenho, mas cada vez menos. tento cada vez mais fazer o que eu quero e não o que eu acho que devia querer...

Maria de Fatima disse...

O ruim é quando a gente não tem muita ideia do que quer...

Clarissa disse...

Puxa, mas não é normal não ter ideia do que quer? Eu desisti de achar que um dia saberia exatamente o que queria de mim e da vida. Acho que viver é como andar na neblina: conforme se anda, dá pra ver mais dois passos à frente, o resto será mais e mais neblina. Mas a gente caminha, ne´?

Quanto ao fast food, há alternativas, não? Admitir que "eu sou esquisito mesmo e diferente" já me ajudou muito... mas, sei la, ne, Cindy... dor é dor, cada um tem a sua, mas, normalmente, a dor de um é a de muitos.

Falei falei e nao disse nada, hehe. Como caloria vazia: fast food!

ju coniglio disse...

fátma, acho que outro dia vc passou por mim na rua, eu tava com o cachorro. além disso, acho que existem quereres e quereres. eu sempre soube que queria ter minha própria casa mas demorei um pouco pra descobrir que profissão eu queria. eu não sei se quero ter filhos, não sei se quero aprender a dirigir, acho que quero mudar pra niteroi e agora, nesse momento, não sei se quero ler ou ver tv. mas tem coisas que eu sei. eu quero chocolate e cocacola, daí tô comendo chocolate e cocacola. de mais a mais, os psicoisos dizem que fazer a pergunta já é meio caminho andado. se vc tenta descobrir o que vc quer, nem que seja se vc quer guaraná ou cocacola, já é um começo.

putz, que resposta mais autoajuda...

clara, acho que é normal. e acho que a maioria das pessoas nem se pergunta o que quer. e achei bonita a imagem da neblina.

Marta disse...

Ju, concordo que pode não ser ruim ficar à margem. Mas na maioria das vezes faz com que vc tenha que se esforçar mais. Às vezes me sinto cansada, sabe?

Anônimo disse...

li no blog da lêlê tb. postei um comentário enorme e emo. olha lá queu tô com vergonha de postar aqui denovo. =P