quinta-feira, 23 de abril de 2009

A cabeça rasa 2

Não vejo mesmo a forma "fast food" de viver como uma escolha. É um desdobramento do nosso sistema e isso é que torna tudo de uma violência que me assusta e me deixa mal. E isso nem é um assunto atual, Letícia está lendo A Sociedade do Espetáculo (de Guy Debord) e o livro já tratava de tudo isso (e bem mais) em 1950...

Li um livro lá da editora (ainda não lançado) que fala um pouco sobre o capitalismo tardio, que seria uma fase que não se basearia mais na produção de bens de consumo, porque os ricos não têm mais necessidade disso e os pobres não têm dinheiro para comprá-los. Então, o que se produz hoje em dia é a própria necessidade. E, como grandes exemplos disso, ele cita IPhone e Ipod.

Para sustentar a criação de necessidades e o consumismo subseqüente (só uso a nova grafia quando sou obrigada), diretores e CEO's associaram suas mercadorias supérfluas à imagem de "vencedores". Você não compra porque precisa, compra porque quer passar uma imagem. E aí Debord (pre)viu a sociedade do espetáculo, a sociedade dos que parecem ser e/ou parecem ter.

A "fastfoodização" da teoria, dos relacionamentos e da forma de ver a vida em geral então não é uma escolha. É uma conseqüência do sistema econômico. Não é que todas as pessoas sejam assim, mas todas as pessoas recebem a mesma mensagem das mídias (que são as mensagens das empresas): "você não precisa nem pode perder tempo para ser algo, você só precisa parecer que é e pra isso compre logo os produtos que podem te fazer parecer." E eu queria deixar claro que, mesmo entendendo a realidade da mensagem, eu caio nela e tenho dificuldade de me aprofundar. Em tudo. Mas não é um problema pessoal, é social.

Esse é o cerne da questão, da minha questão: vivemos em uma suposta liberdade, mas numa manipulação asfixiante e até mesmo nossas relações mais pessoais sofrem pressão do mercado. Como li um dia, "as patologias da liberdade podem ser tão perigosas quanto as patologias da tirania; e muito mais dificilmente identificadas ou remediadas." (tenho que confirmar o autor)

Podemos nos aprofundar nas coisas, o ser humano tem essa capacidade, muitos já provaram isso, graças a deus. É possível que vivamos bastante sozinhos, sem tomar álcool ou drogas, concentrados em uma mesma questão por anos, sem termos amigos ou família, sem fazer sexo, sem ir a festas ou bares. Não estou dizendo que essa é a forma "correta" de viver, só estou querendo lembrar que temos mais capacidade e possibilidade do que o sistema nos faz crer que temos. O modelo de "vida feliz" ou "vida normal" que nos é imposto, e cria ansiedade, medo e padronização de desejos e pensamentos e sentimentos (o que é ótimo para o consumo), é nada mais que uma ilusão criada pelos filhos da puta detentores da patente da matrix.

(Na verdade, venho acreditando que tudo-tudo-tudo é ilusório – ou metafórico –, mas isso tá mais pra taoísmo e isso é outro post...)

26 comentários:

Maria de Fatima disse...

Sua cabeça tá longe de rasa. E fico feliz de ler e ver essas coisas verbalizadas, já que faz tempo que meus pensamentos vagam sem verbo, talvez em posição fetal. hehehe

Maria de Fatima disse...

Ah, sim... E isso muito me lembra a nossa época de faculdade, quando a gente escrevia umas coisas e pregava no mural. Quando a gente discutia mil assuntos e questionava outras tantas coisas apaixonadamente.

todoseles disse...

ISSO! A época da faculdade foi tão foda, eu amava aquele clima. Foi justamente isso que me incomodou: conheço muitas pessoas brilhantes e trabalho produzindo mil livros rasos (não todos). Seria tão bom que as pessoas brilhantes publicassem suas idéias, aprofundassem, pesquisassem! Mas a gente vive massacrado por leis não só sociais, mas de mercado e sequer percebe... Sinto como um desperdício tão grande.

ju coniglio disse...

meu deus, o povo aqui discutindo o sistema e agora a gente tem add by google no fim do blog!

cinda gonça, srta, seu texto me levantou dois comentários irônicas e desinteressadas: quem é letícia e féstifudização ficou parecendo um bacanal organizado por companhia de celular.

além disso, em um comentário mais sério, eu continuo achando que se adaptar ao sistema é uma escolha. não uma escolha condenável, mas ainda uma escolha...

todoseles disse...

Cara, o que tinha no fim do blog era um gadget dos relógios do mundo. Tinha colocado um com o horário do Rio, outro da Dinamarca e outro de Londres (ei, ermã Caru!), mas realmente vinha escrito algo como ads by google... Tirei porque os relógios era muito feinhos, assim como o gadget do Babylon, do qual tb desisti pela feiúra. :-/

Letícia é uma moça mineira que vou te apresentar.

E se adaptar ao sistema é a escolha de todo mundo, praticamente. Inclusive a minha, a das pessoas que viveram em sociedades escravagistas, ou na Alemanha do Hitler. Mas acho que analisar o mundo em que vivemos, a forma como vivemos e como poderíamos viver (que é como o mundo evolui) é socialmente importante, apesar de pessoalmente desgastante às vezes.

Flávia Péret disse...

adorei o texto. doloroso no sentido que é doloroso saber que as coisas são assim e não podemos fazer quase nada para modificá-las. talvez no nosso pequeno mundinho pessoal/ talvez criando uma bolha, não totalitária, mas impermeável ao consumo fetichista...sei lá, eu penso muito sobre isso, pessoas que gastam metade do seu salário num celular, por exemplo...
beijim
Flávia

Juliana disse...

tava fora do mundo, mas de lá li seus posts e, ugh, como vc me irrita. por escrever tão bem, por ser tão culhonamente pensante e por todas as outras razões que vc já sabe. ¬¬
qq hora comento sério nessa budega branca.
prefiro preto. e sem voto.

Juliana disse...

quem é essa fláviaê?

Marta disse...

comentário nada a ver: estou adorando os posts e os comentários.

daqui a pouco volto.

Marta disse...

Ah... os modelos, os padrões. Isso realmente me deixa ansiosa.

Na verdade, no fundo, sei que temos escolha sim. A vida é feita de escolhas. Vc sempre tem opções e pode SIM escolher outro caminho.

Ok... isso é quase tão utópico quanto minha filosofia sobre amor livre.

Por isso falei no outro post o quanto me cansa viver da forma como eu gostaria realmente. Muitas vezes acabo acomodada ou frustrada.

E mais. Eu tenho uma paranóia por liberdade. Qualquer coisa me faz achar que vou perdê-la. É tanto que acabo presa nisso.

Sinto falta de discussões assim, de questionar, de levantar um assunto polêmico e viajante, de falar sobre realidade virtual, do tempo...

Espero seu próximo post! =)

Geisy disse...

Cindy, a gente já tá madura pra escrever um livro em sociedade. ¬¬

Cindy, na boa, você entende que as pessoas que dizem que não existem marxistas depois dos 30 (só os imbecis, é claro) não percebem que as pessoas desistem de ter pensamentos como os seus depois de um tempo? Se todo mundo fosse aprofundando o pensamento como você fez, ia acabar lendo Marx e falando "ué, eu achava que ele pregava a ditadura e o fuzilamento! que diferente!".

Cindy, você é marxista e não sabe. Você chegou a ótimas conclusões no texto:
1- o problema é estrutural
2- mentira que você tem escolhas. direito de escolha individual é diferente de direito de escolha social.
3- liberdade só é liberdade mesmo quando é coletiva. liberdade individual é escolher a cor da camisa, entendeu? foda-se. você é livre pra andar sem camisa?
4- tem coisas que só são mudadas no nível político. ah, mas os consumidores podem boicotar blablabla... O caralho, podem nada. Vá pra OMC discutir isso.
5- esse item 4 não tem tanto a ver com o texto.

Tem outras coisas também, mas tô com preguiça de escrever. Vamo tomar um Nescau amanhã de manhã.

Marina disse...

cindy, vc tá melhor que quando eu li pela primeira vez martha medeiros...


"conheço muitas pessoas brilhantes e trabalho produzindo mil livros rasos" - isso parece verso de música...:)

eita inspiração....

quero mais!

Geisy disse...

Eu acho curiosa a sensação de liberdade das pessoas. O importante é não dizer "é proibido!". Isso é suficiente pras pessoas se sentirem livres. Mas vê: mesmo sendo permitido, os limites existem. Tem limites sociais, da vergonha, limites culturais, do preconceito e do desprezo, e principalmente os limites econômicos. Esse é tipo "você pode, claro. pode pagar? ah, que pena, mas pode sim, tá?"
Qual a procentagem da população brasileira que pode sair do país? Supostamente todas. Objetivamente, pouquíssimas.
Então me diga: qual a diferença do impedimento cubano pro impedimento dos países pobres? Ora, um foi imposto explicitamente pelo sistema comunista. Outro foi imposto implicictamente pelo sistema capitalista. Dã!
Porra, não dá raiva pensar?

Geisy disse...

Desculpe descambar seu post pra uma discussão político-econômica. Você tava escrevendo sobre pessoas e situações. E isso também é uma discussão política. E eu sou chata pra caralho. Tô orgulhosa de você! :D

Marina disse...

se adaptar ao sistema, não necessariamente significa concordar com ele e muito menos se acomodar com ele.

eu pessoalmente preciso me adaptar ao sistema, pelo menos, para ganhar dinheiro e com isso comer, poder viver num cantinho só pra mim ou então para comprar livros de cunho marxistas mesmo. Algumas coisas vc não tem escolha, e tem que compactuar com o sistema mesmo.


ju coniglio, não acho condenável viver adaptado, pois isso é necessário tb, o problema é transformar adaptação em inércia e minar com o que é sua individualidade, sua personalidade com o simples fim de ser aceito no que a sociedade exige. (não acho que vc seja assim, é viagem sociológica mesmo...)

Juliana disse...

ai, vcs são tão inteligentes.
marina, eu concordo com vc. brigada.
beijo, tchau.

Geisy disse...

Cara, é! Perfeito!
Aí você pensa "eu não tô minando a minha personalidade, porque eu continuo sendo livre pra ler mangá se eu quiser, pra tomar mate ou coca, pra ouvir strokes ou marisa monte, pra ouvir música em cd ou em mp3. Eu fiz letras pq eu quis, não fui forçada a fazer administração! Isso sim é a minha individualidade e nunca me impuseram nada porque eu tenho cabeça boa".
Cara, agora pensa no nível de liberdade de escolha. De uma forma ou de outra vc foi obrigada a comprar dentro de determinadas opções, foi obrigada a fazer faculdade, pq é obrigada a trabalhar, pq tem que ganhar dinheiro, pq tem que comprar, pq tem que mostrar que tem, pq tem que ser feliz, pq tem que...
Tudo o que vc escolheu tava dentro de uma camisa de força. Tem uma bolha chamada mercado controlando tudo, por isso que você, Cindy, tem a sensação de que tudo o que a gente vive é uma ilusão, uma coisa construída. Porque é mesmo! Fora da bolha deve ter uma monte de coisa... A gente nem imagina direito.

Marina disse...

ter que comprar sempre para se divertir deve ser horrível mesmo...se bem que apesar de inevitável, às vezes é bom....mas o mais difícil é conseguir se divertir consigo mesmo!

quem nunca ficou com sensação de tédio na vida quando não tinha nada pra fazer (ou nada pra consumir)?

Geisy disse...

Eu tenho sensação de fracasso quando vou ao shopping e não compro nada. :-|

Marta disse...

hahaha...

eu consumo livros e mais livros que nunca vou ter tempo de ler... mas é tão bom!! rssss...

tô tentando lembrar um texto muito bom que li sobre liberdade, mas não consigo. esse é o problema de não se fazer fichamentos, de não ser organizada.

Geisy disse...

Quem foi essa maluca que escreveu com o meu nome ontem?

Louca!

Marta, tô descobrindo que consumir livros descontroladamente é o escape dos que criticam o consumismo. Não sei você, mas eu e outras pessoas que eu conheço fazem isso.

Na verdade eu compro livro pra ajudar minha irmã e Letícia, mas prefiro levar a culpa. Pobre eu. ¬¬

ju coniglio disse...

geiza, "Eu tenho sensação de fracasso quando vou ao shopping e não compro nada. :-|" isso foi triste...

Juliana disse...

eu passei horas da madrugada discutindo essa budega desse post com a marina. começou nele, passou pro shopping, pro que é 'necessidade' ou não, pra maconha, pro tráfico, pros abismos sociais.
eu acho legal a gente pensar, debater, lembrar que as coisas não são de fato como são. ou não deveriam ser. mas enquanto eu não for fazer algo na prática - seja estudar loucamente pra entender a base disso tudo ou pôr a mão na massa e ir aprendendo com a prática - pra mudar, não vou me super cobrar, angustiar, giletar. porque não vai adiantar nada.
eu acho, assim como a marina, que o radicalismo disso tudo deve ser cuspido em cima de gente total sem noção. como meus pais. e a maioria dos pais caretas. e dos amigos caretas. que acreditam que são espertões e gente fina pq dão gorjetas altas e 'tratam de igual pra igual' os 'menos favorecidos'. mas que amariam se caísse uma bomba nos pobrinhos. eu acho. apesar de achar que não, não tacariam a bomba.
ai. vamos sair todo mundo e conversar? pq não consigo escrever tudo o que eu penso, vou me afobando. um assunto entra no outro.
e, como eu disse, geisy. vc são tão inteligentes. que dá gosto. :-p

Marta disse...

Geisy, nunca pensei por esse lado, do meu consumo descontrolado de livros ser um escape por criticar o consumismo... vc tb me deixou a pensar!

Luiz Carlos Garrocho disse...

Gostei muito do texto. Você entra na questão munida de sensibilidade e atenção no que está acontecendo.

Resistir ao presente!

Descobri seu blog através de Letícia Feres.

Continue.

Abraços

Anônimo disse...

Realmente não é novo. Mas o que a gente lamenta e combate é exatamente a necessidade do novo. Então o que importa não é o novo, é o novamente, né? ;]

Lendo o post só me vem uma coisa: quero morar bem longe, dar aula numa escola da chapada diamantina (vi uma menina que largou tudo e foi morar e dar aulas lá, adorei a idéia), virar antropóloga, bióloga, ecologista e ir morar no outro lado do Brasil, ou num arquipélago neozelandês qualquer. Comprar uma casinha no Mississippi e ficar ouvindo meus velhinhos blueseiros que ninguém gosta, numa cadeira de balanço...

Mas ainda não sei se essa vontade é uma coisa que tem que existir em mim só como vontade mesmo ou se devo tentar realizar.

É que a vontade de morar longe da cidade é, na verdade, uma vontade de estabelecer uma outra conexão com as coisas. Em vez de conhecer o mundo viajando, me movimentando o tempo todo, conhecendo pessoas loucamente, quero mais é ficar parada, numa terra, num lugar. Sempre pensei que a cidade era O lugar da conexão, pq vc ta sempre conectada com o mundo todo, com a informação. Mas agora é exatamente dessa conexão que eu tento correr, me livrar(pq esse tipo de conexão te faz esquecer uma origem, vc vira um estrangeiro em todo canto. Vive no correcorre, vive as relações fastfoods que tu fala). Quero um outro tipo de conexão, uma que enraíza, que liga a uma terra que é única, mas que são todas as terras. Aí sim vc vira um habitante do mundo (ui, breguice). É oq tenho tentado fazer, mesmo morando na cidade de avenidas urgentes.

Acho engraçado o trânsito. Milhões de pessoas paradas e a cidade toda em movimento, ao redor. Tenho a impressão que os engarrafamentos são ótimas oportunidades de viver um outro tempo. Aquele que te faz ficar parada, em movimento.