domingo, 23 de novembro de 2008

A Dupla Distância (trecho)

E, primeiramente, que nome lhe dar? Pensemos nesta palavra, empregada com freqüência, raramente explicitada, cujo espinhoso e polimorfo valor de uso Walter Benjamin nos legou: a aura. “Uma trama singular de espaço e de tempo”, ou seja, propriamente falando, um espaçamento tramado – e mesmo trabalhado, poderíamos dizer, tramado em todos os sentidos do termo, como um sutil tecido ou então como um acontecimento único, estranho, que nos cercaria, nos pegaria, nos prenderia em sua rede. E acabaria por dar origem, nessa “coisa trabalhada” ou nesse ataque da visibilidade, a algo como uma metamorfose visual específica que emerge desse tecido mesmo, desse casulo – outro sentido da palavra Gespinst – de espaço e de tempo. A aura seria portanto como um espaçamento tramado do olhante e do olhado, do olhante pelo olhado. Um paradigma visual que Benjamin apresentava antes de tudo como um poder da distância: “Única aparição de uma coisa longínqua, por mais próxima que possa estar”.

O que nos diz esta fórmula célebre, senão que a distância aparece, no acontecimento da aura, como uma distância já desdobrada? Se a lonjura nos aparece, essa aparição não é já um modo de aproximar-se ao dar-se à nossa vista? Mas esse dom de visibilidade, Benjamin insiste, permanecerá sob a autoridade da lonjura, que só se mostra aí para se mostrar distante, ainda e sempre, por mais próxima que seja sua aparição. Próximo e distante ao mesmo tempo, mas distante em sua proximidade mesma: o objeto aurático supõe assim uma forma de varredura ou de ir e vir incessante, uma forma de heurística na qual as distâncias – as distâncias contraditórias – se experimentariam uma às outras, dialeticamente. O próprio objeto tornando-se, nessa operação, o índice de uma perda que ele sustenta, que ele opera visualmente: apresentando-se, aproximando-se, mas produzindo essa aproximação como o momento experimentado “único” e totalmente “estranho” de um soberano distanciamento, de uma soberana estranheza ou de uma extravagância. Uma obra da ausência que vai e vem, sob nossos olhos e fora de nossa visão, uma obra anadiômena da ausência.

Sob nossos olhos, fora de nossa visão: algo aqui nos fala tanto do assédio como do que nos acudiria de longe, nos concerniria, nos olharia e nos escaparia ao mesmo tempo. É a partir de tal paradoxo que devemos certamente compreender o segundo aspecto da aura, que é o de um poder do olhar atribuído ao próprio olhado pelo olhante: “isto me olha”. Tocamos aqui o caráter evidentemente fantasmático dessa experiência, mas, antes de buscar avaliar seu teor simplesmente ilusório ou, ao contrário, seu eventual teor de verdade, retenhamos a fórmula pela qual Benjamin explicava essa experiência: “Sentir a aura de uma coisa é conferir-lhe o poder de levantar os olhos” – e ele acrescentava em seguida: “Esta é uma das fontes mesmas da poesia.” Compreender-se-á aos poucos que, para Benjamin, a aura não poderia se reduzir a uma pura e simples fenomenologia da fascinação alienada que tende para a alucinação. É antes de um olhar trabalhado pelo tempo que se trataria aqui, um olhar que deixaria à aparição o tempo de se desdobrar como pensamento, ou seja, que deixaria ao espaço o tempo de se retramar de outro modo, de se reconverter em tempo.

(Georges Didi-Huberman – ‘O que vemos, o que nos olha’)

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Permito-me apenas jogar aqui algumas palavras que, na minha modesta opinião, são fundamentais para o entendimento (leia-se não-entendimento) da arte nos dias de hoje, a tal arte contemporânea: tempo, distância, ausências.

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Aproveito para indicar um dia cultural. Vejam as exposições do Paço, CCBB e Centro Cultural dos Correios. Além de ter muita arte, de vários estilos, é um agradabilíssimo passeio e é grátis!
A exposição do corpo humano também está interessante! Eu não estava muito animada pra ver, mas fui e me empolguei lá dentro! Além disso, gostei muito do Museu Histórico Nacional, que eu não conhecia... foi uma grata surpresa.

2 comentários:

Vi disse...

jura que a exposição do corpo humano é legal? eu tenho pánico daqueles cartazes pela cidade.

marta disse...

hahahaha...

é ótima, mas se vc não curte esse tipo de coisa, melhor ñão ir, pq é real!